Vulnerabilidades debilitantes das ferramentas para avaliações online da USP
Ronaldo de Breyne Salvagni
Naval Engineer, M. Eng, Dr. Eng., P.E., Full Professor (Senior)
University of Sao Paulo, Escola Politecnica
Dept. of Mechanical Engineering
E-mail: salvagni@usp.br
Imagine se o sistema financeiro no Brasil adotasse a hipótese de que todas as pessoas são essencialmente éticas e honestas e, portanto, deixasse de usar senhas e outros dispositivos de segurança na utilização de cartões e demais transações financeiras. Não é difícil prever o que aconteceria.
Entretanto, é algo parecido com isso que atualmente acontece com as ferramentas de avaliação online da USP: não há nenhum mecanismo que permita coibir fraudes, ou pelo menos detectá-las. Isso é consequência direta de alguns ranços ideológicos e traços do pensamento “politicamente correto”, cultivados por algumas pessoas e grupos na USP, que merecem alguma reflexão por ignorarem ou negarem fatos fundamentais:
– Existem pessoas inescrupulosas, egoístas e desonestas, inclusive entre os alunos da USP
Parece que alguns fingem ignorar ou negam isso. Podemos pressupor que a grande maioria das pessoas é honesta e ética, mas algumas não o são – isso faz parte da natureza humana e da realidade que vivemos. Pode-se argumentar que, nas grandes universidades do mundo, há uma forte relação de confiança entre alunos e professores, o que inibe fraudes e desonestidades. Isso pode ser verdade, mas não implica que essas instituições não tenham mecanismos para detectar essas ocorrências. Pelo contrário, essas grandes universidades são as mais preocupadas com a qualidade e integridade das suas avaliações. Na própria USP, em provas presenciais, em todos os anos temos casos e abrimos sindicâncias para apurar tentativas de fraude e uso de recursos ilícitos – por que isso não iria ocorrer no ambiente online?
– A importância da veracidade e confiabilidade da avaliação
É responsabilidade da instituição evitar que alunos esforçados e éticos sejam prejudicados por colegas inescrupulosos e desonestos. Durante o curso, há uma variedade de processos seletivos e listas de classificação baseadas nos históricos escolares dos alunos, com as notas das avaliações realizadas nas diversas disciplinas e atividades realizadas. A finalidade de uma avaliação é medir e atestar os níveis de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos pelo aluno. Assim:
– em primeiro lugar, ao fazer a avaliação, a instituição e o professor responsável atestam que o aluno adquiriu um determinado nível real de conhecimentos, habilidade e atitudes. Se isso não for verdade, ambos estão incorrendo em falsidade ideológica. A coisa é mais grave nos casos em que o diploma do curso dá automaticamente o registro para exercício profissional, como é o caso da Engenharia e da Medicina no Brasil;
– em segundo lugar, em avaliações fraudadas, o aluno honesto e esforçado será prejudicado, em processos seletivos e listas de classificação, pelo aluno inescrupuloso e desonesto, que levará vantagem indevida.
O fato é que, se uma ferramenta de avaliação online, qualquer que seja ela, não tiver mecanismos para detecção e inibição de fraudes, seus resultados não são confiáveis e sua utilidade fica seriamente comprometida.
Entretanto, não é fácil nem trivial criar e implementar esses mecanismos. Por exemplo, para uma prova online, há propostas para se usar a câmera do computador do próprio aluno, exigindo que ele a deixe ligada, bem como o microfone, e fique dentro da sua área de visão durante toda a avaliação. Este seria um procedimento bastante invasivo e constrangedor, além de ter eficácia discutível, e não parece recomendável. Outra proposta seria avaliar o aluno através de uma entrevista ao vivo, uma “prova oral”. Isso seria semelhante às bancas não presencias para defesa de teses, e poderia funcionar bem. Entretanto, sua viabilidade é limitada pela quantidade de alunos a serem avaliados. Na Poli temos disciplinas únicas com mais de 1000 alunos – como entrevistá-los individualmente, um a um?
Na verdade, o problema se torna muito mais difícil quando tratamos de avaliações em massa, de grande quantidade de alunos. Não é viável fazer vigilância por câmeras nem entrevistas individuais. Alguns propõem mudar o procedimento de avaliação, não fazendo provas, mas sim diluindo o processo através de uma série de atividades menores distribuídas ao longo de todo o curso, aula a aula. Além do fato de que isso não resolve o problema principal da segurança (é o aluno mesmo que está fazendo individualmente as tarefas?), o trabalho para avaliar essas muitas atividades diárias cresceria exponencialmente para uma quantidade grande de alunos.
Desta forma, parece inevitável concluir que a avaliação individual, do tipo de provas e para grande quantidade de alunos, entra na categoria das atividades que devem ser realizadas presencialmente, analogamente a vários laboratórios e atividade de campo, não podendo ser feitas online.
Fica aqui, para os especialistas que desenvolvem ferramentas de avaliação online, o desafio de desmentir essa conclusão.
O ponto fundamental é que a grande maioria das pessoas é honesta e ética, mas é necessário evitar que elas, e a sociedade como um todo, sejam prejudicadas por uns poucos inescrupulosos desonestos.
* Este artigo foi publicado originalmente no Jornal da USP na seção Artigos – 06 de julho de 2020.