O primeiro voo do eVTOL da Eve: Brasil no ar da inovação

O artigo do prof. Dr. Marcelo Alves, coordenador do CEA, foi escolhido para a seção Spotlight da Gazeta Mercantil Digital, neste final de ano. “O primeiro voo do eVTOL da Eve não é só um marco de engenharia, é também um sinal de que o Brasil quer disputar protagonismo na próxima fronteira da mobilidade urbana sustentável”, afirma Marcelo Alves. Artigo publicado em 26/12/2016.

Um evento verdadeiramente histórico aconteceu na semana passada em Gavião Peixoto, interior de São Paulo, onde a EMBRAER tem um centro de teste e produção de aeronaves: o primeiro voo do protótipo em escala real do eVTOL da Eve Air Mobility, empresa derivada da Embraer. O teste, realizado em 19 de dezembro de 2025, consistiu em um voo não tripulado e restrito ao pairar, mas simboliza o início de uma campanha de ensaios que pode redefinir a mobilidade urbana no Brasil e no mundo.

O termo eVTOL designa aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical, semelhantes a helicópteros, mas movidas por propulsão elétrica e sistemas avançados de automação. Projetados para trajetos curtos — entre 20 e 100 quilômetros — os eVTOLs oferecem vantagens claras: menor emissão de gases de efeito estufa durante a operação, redução de ruído e operação em áreas densamente urbanas sem necessidade de pistas longas, além de menor complexidade mecânica (sempre comparando com os helicópteros convencionais).

A empresa EVE foi criada em 2017 dentro da EmbraerX e separada em 2020 para focar exclusivamente na mobilidade aérea urbana, tornou-se pública em 2022 na Bolsa de Nova York (NYSE), após fusão com a Zanite Acquisition Corp. Suas ações são negociadas sob o ticker EVEX, atraindo capital internacional para acelerar o desenvolvimento. É importante ressaltar que a própria EMBRAER saiu do seu procedimento padrão de desenvolvimento de aeronaves. A empresa EVE, ainda que aproveite a experiência da EMBRAER, opera de maneira mais inovadora, até pelo tipo de projeto que desenvolve.

Em agosto de 2025, a empresa anunciou seu primeiro contrato firme de venda de eVTOLs, estimado em US$ 250 milhões, consolidando sua estratégia comercial. No mesmo período, lançou BDRs na B3, captando cerca de US$ 230 milhões com participação da BNDESPAR, permitindo que investidores brasileiros participem diretamente do projeto.

Quem já enfrentou o trânsito de São Paulo na Marginal Tietê, no horário de pico, sabe que é quase impossível chegar ao Aeroporto de Guarulhos sem perder a paciência. Mais de uma hora de carro viram rotina. Agora, pensar que um voo de poucos minutos, com preço acessível, já está no horizonte próximo, quando se considera o uso de um eVTOL. Já no Rio de Janeiro, o percurso entre o aeroporto Santos-Dumont e Barra da Tijuca, que em horários de pico chega a 80 minutos de carro, poderia ser feito em cerca de 10 minutos, considerando velocidade de cruzeiro de 200 km/h e distância aproximada de 29 km. É quase inacreditável o ganho de tempo, ainda mais com a promessa de ser bem mais acessível que os voos com helicóptero. Quem já ficou preso no tráfego, com medo de perder um voo, agradece ter ao menos a opção de não passar por esta situação e fazer melhor uso do tempo.

Além da conveniência e do ganho de produtividade, trata-se de sustentabilidade. A propulsão elétrica contribui para metas globais de redução de emissões, e o Brasil, ao avançar nessa frente, reforça sua posição como líder em inovação aeronáutica. Segundo estudo divulgado pela própria Eve em junho de 2025, o mercado global de eVTOLs pode gerar US$ 280 bilhões em receita nas próximas duas décadas, com demanda estimada em 30 mil aeronaves.

O mercado de eVTOLs é competitivo e inovador. Empresas como a norte-americana Joby Aviation, que em 2025 realizou voos simultâneos de duas aeronaves na Califórnia, e a alemã Volocopter, que já testa operações em cidades europeias, estão entre os líderes globais. Ainda assim, a Eve se destaca como atividade pioneira no Brasil e uma das poucas iniciativas fora do eixo EUA-Europa. Com o respaldo da Embraer e a capacidade de atrair investimentos internacionais, a empresa coloca o país no mapa de uma indústria que promete transformar a mobilidade urbana mundial.

Mas mesmo com todo o entusiasmo provocado pelo primeiro voo, o desenvolvimento do produto ainda passará por algumas etapas até que o uso do eVTOL seja algo da realidade diária. A nova aeronave ainda precisará ser certificada por autoridades como a ANAC e suas congêneres do exterior como FAA (EUA) para que possam ser usadas comercialmente. Como é um novo tipo de aeronave, o processo de certificação e normalização também é novo e desafiador, seja para a indústria como para os entes reguladores. Também é preciso levar em conta a necessidade de criação de infraestrutura de vertiportos e que a aceitação pública deste novo tipo de transporte seja efetiva. Será que as pessoas vão se sentir seguras entrando num eVTOL? Essa é a grande questão. Além disso, o custo operacional precisa ser competitivo para que o eVTOL não se torne apenas um substituto de helicópteros de luxo, mas uma alternativa viável para um público mais amplo, assim justificando a operação comercial deste tipo de aeronave.

O voo inaugural da Eve deveria ter recebido mais atenção. É fundamental que crianças e jovens conheçam o projeto, entendam como funciona o equipamento e se interessem por engenharia e profissões ligadas à indústria. A inovação não é apenas tecnológica: é também cultural e educacional. O Brasil precisa formar talentos que possam sustentar e expandir esse tipo de avanço. Nossas crianças e jovens precisam sonhar em criar máquinas como o eVTOL, como Santos-Dumont e Ozires Silva sonhavam com balões e aviões quando eram meninos. O país precisa ter novos Santos-Dumont e Ozires Silva.

O primeiro voo do eVTOL da Eve não é apenas um teste técnico. É um símbolo de que o Brasil pode liderar a próxima fronteira da mobilidade urbana sustentável. Em um mercado global competitivo, com concorrentes como Joby e Volocopter, a Eve surge como pioneira nacional e protagonista internacional. Ainda há muito o que desenvolver, mas o mais difícil já aconteceu: o eVTOL saiu do chão.

Prof. Dr. Marcelo A. L. Alves – Docente no Departamento de Engenharia Mecânica – Escola Politécnica da USP – Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva.