O melhor aplicativo para planejar 2026 talvez seja um caderno

A coluna semanal do prof. Dr. Marcelo Massarani, na Gazeta Mercantil Digital, traz, para fechar o ano de 2025, texto que apresenta o “Bullet Journal como método para estruturar o planejamento anual de forma mais consciente, separando o momento de pensar do momento de executar.” – artigo publicado 30/12/2025

O Bullet Journal como ferramenta para um planejamento anual mais claro, focado e deliberado

O fim do ano costuma criar uma pausa rara no ritmo cotidiano. Mesmo pessoas pouco inclinadas ao planejamento acabam, de alguma forma, revisitando decisões, avaliando caminhos e tentando projetar o que vem pela frente. Alguns fazem isso de maneira estruturada, recorrendo a planilhas, aplicativos de metas ou agendas digitais. Outros preferem listas improvisadas, anotações soltas ou reflexões silenciosas. Planejar o próximo ano é um hábito comum, ainda que frequentemente realizado de forma apressada, entre compromissos, viagens e notificações que não cessam.

É justamente nesse momento que uma sugestão pode soar inesperada. Em vez de buscar mais tecnologia, novos aplicativos ou sistemas ainda mais sofisticados, talvez valha a pena fazer o movimento inverso. Retirar a tecnologia do centro do planejamento pessoal. Fechar o notebook, silenciar o celular e voltar a algo extremamente simples: um caderno e uma caneta. Não se trata de rejeitar o mundo digital, mas de reconhecer que ferramentas diferentes servem a propósitos distintos.

Aplicativos, softwares e agendas digitais são excelentes quando o objetivo é executar. Funcionam muito bem para organizar compromissos, administrar prazos, compartilhar calendários e lembrar tarefas já definidas. São particularmente eficazes em ambientes profissionais complexos, com múltiplas frentes de trabalho e alta necessidade de coordenação. O problema surge quando tentamos usar essas mesmas ferramentas para refletir, redefinir prioridades ou tomar decisões mais profundas sobre rumos pessoais e profissionais.

O ambiente digital é, por natureza, fragmentado. Mesmo quando a intenção é planejar, acabamos pensando sobre o futuro no mesmo espaço mental em que respondemos mensagens, consumimos notícias, alternamos abas e lidamos com estímulos contínuos. A consequência costuma ser um planejamento rápido, excessivamente operacional e pouco conectado a escolhas reais. Organiza-se muito, decide-se pouco.

A escrita à mão opera em outra lógica. Ela é mais lenta e exatamente por isso mais exigente. Ao escrever, somos obrigados a organizar o pensamento antes de registrá-lo. Não há correção automática nem atalhos cognitivos. Cada palavra ocupa espaço físico, cada frase exige intenção. Esse ritmo desacelerado favorece a reflexão, a síntese e a clareza. O corpo participa do processo, o que ajuda a ancorar ideias abstratas e planos de longo prazo. Planejar deixa de ser apenas um exercício mental e passa a ser um momento de presença.

Foi a partir dessa percepção que, há dois anos, adotei um método que equilibra simplicidade e profundidade de forma notável: o Bullet Journal. Criado por Ryder Carroll, o método não surgiu como uma agenda sofisticada nem como mais uma ferramenta de produtividade. Ele foi concebido como uma forma prática de organizar tarefas, pensamentos e objetivos de maneira consciente, criando um processo contínuo de reflexão e ajuste. O próprio autor relata que desenvolveu o método para lidar com dificuldades pessoais de foco e organização, associadas ao fato de ter crescido com TDAH, em uma época anterior à ampla disponibilidade de diagnósticos, terapias e ferramentas específicas para esse tipo de desafio.

O Bullet Journal se baseia em uma estrutura mínima. Em vez de páginas pré-formatadas, utiliza um caderno em branco que vai sendo construído ao longo do tempo. Há alguns elementos organizadores importantes, mas todos são flexíveis. Um deles é o chamado future log. No contexto de um planejamento anual, ele funciona como o espaço onde são registrados os objetivos e intenções para o ciclo que se inicia, normalmente o ano seguinte, podendo incluir temas e projetos que ultrapassem o horizonte de doze meses. Não se trata de classificar esses objetivos por prazos rígidos, mas de estabelecer uma visão clara do que se deseja construir ao longo daquele período.

Esse espaço não é destinado a listas extensas. Ao contrário, o método estimula a escolha de poucos objetivos realmente relevantes. Essa limitação é deliberada. Muitos objetivos simultâneos competem entre si, diluem a atenção e dificultam revisões honestas. Poucos objetivos bem escolhidos funcionam como eixos que orientam decisões ao longo do ano e servem de critério para aceitar ou recusar demandas.

A partir dessa visão mais ampla, o método propõe um desdobramento progressivo. Objetivos são traduzidos em ações distribuídas ao longo dos semestres e, em seguida, dos meses. Esse ponto é central. Em vez de começar pelo que fazer amanhã, o Bullet Journal convida a pensar no que precisa acontecer nos próximos meses para que um objetivo avance de forma consistente. O planejamento mensal funciona como uma ponte entre intenção e execução. Nele entram apenas as ações que efetivamente contribuem para o que foi definido como importante. O excesso torna-se visível e, muitas vezes, é conscientemente eliminado.

No nível semanal e diário, o sistema permanece simples. As tarefas registradas não são compromissos isolados, mas fragmentos de objetivos maiores. Isso muda profundamente a relação com o cotidiano. Mesmo atividades pequenas passam a fazer sentido dentro de um contexto mais amplo. O planejamento deixa de ser uma lista de obrigações e passa a ser uma sequência de escolhas alinhadas a uma direção clara.

Um dos aspectos mais poderosos do Bullet Journal é o hábito de revisão periódica. Ao final de cada mês ou ciclo, o usuário revisita o que escreveu. Tarefas não realizadas são reavaliadas. Algumas são reescritas porque ainda fazem sentido. Outras são abandonadas de forma consciente. Esse processo, conhecido como migração, funciona como um filtro natural. Ele impede que listas cresçam por inércia e obriga a reconsiderar prioridades com frequência. Diferentemente de muitos aplicativos, onde tarefas podem ser adiadas indefinidamente sem custo cognitivo, no papel cada reescrita exige decisão.

Isso não significa que aplicativos e softwares devam ser descartados. Eles continuam sendo ferramentas valiosas para execução. Uma vez que objetivos estejam claros e ações bem definidas, faz todo sentido usar agendas digitais para compromissos, aplicativos de tarefas para lembretes e sistemas online para coordenação com outras pessoas. A diferença está em reconhecer que decidir o que importa e executar o que foi decidido são atividades distintas e que se beneficiam de ferramentas diferentes.

O Bullet Journal ocupa exatamente o espaço da decisão. Ele não promete eficiência máxima nem velocidade. Oferece algo mais raro: clareza. Em um mundo saturado de estímulos, desacelerar para pensar melhor se torna um diferencial relevante, tanto no plano pessoal quanto profissional.

Este período de transição entre anos oferece uma oportunidade particularmente favorável para esse exercício. Reduzir o tempo diante das telas, pegar um caderno e escrever pode parecer simples demais. Justamente por isso funciona. 

Que 2026 seja construído a partir de decisões conscientes, amadurecidas no silêncio necessário ao bom pensamento, e não apenas de compromissos automáticos. Um feliz Ano Novo a todos os leitores.

Referência:Carroll, Ryder. O método Bullet Journal: Registre o passado, organize o presente, planeje o futuro. Rio de Janeiro: Fontanar, 2018.

Marcelo Massarani é Professor Doutor da Escola Politécnica da USP, Diretor Acadêmico da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, membro do Conselho Diretor do Instituto da Qualidade Automotiva e Conselheiro consultivo