NEETs: a geração brasileira que fica para trás na transição escola-trabalho
Artigo originalmente publicado na Gazeta Mercantil Digital – 22/09/2025, pelo prof. Dr. Marcelo Massarani
Com 24% dos jovens fora da escola e do trabalho, o Brasil desperdiça capital humano em meio ao rápido envelhecimento da população.
Quase um em cada quatro jovens brasileiros de 18 a 24 anos não estuda nem trabalha. Em qualquer lugar do mundo esse número seria tratado como uma crise nacional. No Brasil tornou-se rotina. São os chamados NEETs (Not in Education, Employment or Training), que aqui ganharam o apelido de “nem-nem”, jovens que nem estudam e nem trabalham. A tradução soa quase caricata, mas retrata um dos problemas mais graves para o futuro econômico do país.
Segundo o relatório Education at a Glance 2025 da OCDE, 24% dos jovens brasileiros nessa faixa etária estavam nessa condição em 2023, contra apenas 14% na média dos países da organização. Dentro desse contingente, 8% estavam desempregados e 16% sequer procuravam emprego, vivendo totalmente à margem da vida produtiva.
O Brasil não está sozinho nesse dilema. A África do Sul e Turquia apresentam índices ainda mais altos. Mesmo assim, a posição brasileira é alarmante. Economias avançadas como Alemanha, Suécia e Irlanda registram taxas próximas de 8% ou 9%. A diferença não é detalhe estatístico. Ela mostra que, enquanto esses países transformam sua juventude em motor de produtividade, o Brasil permite que a sua se torne um passivo econômico.
A gravidade aumenta quando esses dados são cruzados com a estrutura etária nacional. Segundo a projeção do IBGE, em 2025 o Brasil tem 213,4 milhões de habitantes. Aproximadamente 20,1% têm menos de 15 anos, 14,8% estão entre 15 e 24 anos, 49,5% estão entre 25 e 59 anos e 15,6% já têm 60 anos ou mais. A idade mediana é de 35,5 anos e cresce rapidamente. Isso significa que o Brasil deixa para trás a fase em que a abundância de jovens sustentava a economia e entra em uma era de envelhecimento acelerado.
Em vez de aproveitar a energia de sua juventude para sustentar os custos crescentes de uma população idosa, o Brasil desperdiça quase um quarto dos jovens sem gerar conhecimento, renda ou contribuição fiscal. É um contrassenso demográfico. A demanda por previdência e saúde aumenta enquanto a base de trabalhadores ativos diminui em qualidade e em quantidade.
As consequências econômicas são severas. A produtividade perde fôlego porque os jovens não acumulam experiência nem habilidades. A base tributária futura encolhe e o desequilíbrio das contas públicas se agrava em um país já pressionado por gastos sociais. As empresas enfrentam dificuldade para recrutar mão de obra qualificada, o que encarece setores estratégicos e pode afastar investimentos internacionais. No longo prazo a economia brasileira corre o risco de estagnar, incapaz de transformar sua estrutura demográfica em vantagem competitiva.
Outros países mostraram que é possível escapar dessa armadilha. A Alemanha consolidou o modelo de formação dual, integrando ensino técnico e trabalho em empresas desde cedo. A Coreia do Sul fez da educação e da inserção produtiva da juventude um pilar de seu desenvolvimento. O Brasil, em contrapartida, mantém o ensino técnico como algo residual e quase não oferece orientação vocacional.
Essa não é apenas uma questão social. É uma urgência econômica. O país precisa ampliar a educação técnica, aproximar escolas e empresas, criar programas nacionais de estágio e incentivar a contratação de jovens com políticas fiscais inteligentes. Cada ponto percentual reduzido na taxa de NEETs significa mais trabalhadores produtivos, mais arrecadação e maior capacidade de financiar o envelhecimento populacional.
Quase um quarto da juventude brasileira segue sem estudar e sem trabalhar. Se nada mudar, o Brasil transformará a promessa de seu bônus demográfico em um fardo pesado, envelhecendo antes de conquistar prosperidade.
Marcelo Massarani é Professor Doutor da Escola Politécnica da USP, Diretor Acadêmico da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, membro do Conselho Diretor do Instituto da Qualidade Automotiva e Conselheiro empresarial