Engenharia Brasileira: Globalização como Chave para o Futuro

O recente artigo do Prof. Dr. Marcelo Alves, coordenador do CEA, publicado na seção Opinião da Gazeta Mercantil Digital (17/10/2015), destaca a importância de reconectar a engenharia brasileira ao cenário global — fortalecendo programas de duplo diploma, parcerias internacionais e currículos alinhados às novas demandas tecnológicas.

No artigo anterior, discutimos o potencial da engenharia automotiva brasileira para se posicionar como fornecedora global de serviços especializados, exportando não apenas produtos, mas também conhecimento técnico. Entretanto, esse avanço enfrenta um obstáculo relevante: a queda do interesse dos jovens brasileiros pelos cursos de engenharia. Dados recentes da FUVEST — responsável pelo exame vestibular da Universidade de São Paulo (USP) — mostram uma redução preocupante na procura por esses cursos na Escola Politécnica (Poli-USP), uma das instituições mais prestigiadas do país. O fenômeno, longe de ser isolado, reflete um descompasso entre a crescente dependência da sociedade em tecnologia e a atratividade percebida da profissão.

A relação candidatos por vaga (C/V) na Poli-USP ilustra essa tendência. Em 2016, havia 10.205 inscritos para 870 vagas, resultando em uma C/V de 11,73. Em 2025, o índice foi de 8,2 — um pouco melhor após quedas sucessivas que levaram o indicador a 6,4 em 2024 e 6,6 em 2023, mas ainda abaixo do que se observava há 10 anos. A retração pode ser atribuída a múltiplos fatores: deficiências no ensino básico de matemática e ciências — evidenciadas pelos resultados insatisfatórios do Brasil no PISA — e a percepção de que a carreira em engenharia oferece menos retorno financeiro e prestígio do que outras opções, como medicina. Mas o risco é mais profundo. Com menos candidatos e matrículas, as escolas enfrentam a possibilidade real de redução estrutural, o que pode gerar um ciclo de enfraquecimento institucional e perda de capacidade formadora. Essa fragilização, a médio prazo, afetaria diretamente a capacidade nacional de inovação e de sustentação tecnológica de setores estratégicos como energia, infraestrutura e manufatura.

É paradoxal que, em uma era em que a tecnologia permeia todos os aspectos da vida — da mobilidade urbana à saúde digital —, cada vez menos jovens optem pela profissão que viabiliza essas inovações. Em um país que aspira à relevância global, o desinteresse pela engenharia ameaça não apenas o suprimento de profissionais qualificados, mas também a competitividade das empresas brasileiras. A ausência de engenheiros em número e qualificação suficientes já se traduz, em algumas áreas, em gargalos de produtividade. Reverter esse quadro exige, portanto, mais do que apelos vocacionais: requer uma mudança de perspectiva sobre o papel da engenharia no mundo contemporâneo.

Essa transformação passa por reconhecer que a engenharia não é uma atividade local, mas intrinsecamente global. O intercâmbio de pessoas e ideias é hoje tão essencial quanto o de produtos. Apesar das barreiras burocráticas e de imigração, o mercado de trabalho oferece oportunidades internacionais que transcendem fronteiras e permitem que engenheiros brasileiros contribuam e aprendam em ecossistemas de inovação espalhados pelo mundo. Nesse contexto, o programa de duplo-diploma da Poli-USP, criado em 2001, é exemplo de sucesso. Em parceria com instituições de referência, como a École Polytechnique (França) e o Politecnico di Milano (Itália), o programa permite que estudantes obtenham diplomas em ambas as instituições, em um formato muito mais robusto que o de intercâmbios convencionais. Além de enriquecer o currículo individual, essa experiência promove a atualização dos conteúdos acadêmicos brasileiros, facilita comparações objetivas com padrões internacionais e fortalece o prestígio das escolas participantes.

Para conter a queda na procura e preservar a relevância das instituições, as escolas de engenharia brasileiras precisam assumir uma postura mais proativa. Isso inclui ampliar parcerias com empresas globais, criar programas de estágio e pesquisa conjuntos e ajustar currículos às competências mais demandadas mundialmente — como inteligência artificial aplicada à engenharia sustentável e tecnologias de transição energética —, isso sem abrir mão de uma sólida formação nos domínios fundamentais da engenharia. Também é essencial comunicar melhor o valor estratégico da profissão, divulgando trajetórias de engenheiros brasileiros que se destacam fora do Brasil ou como empreendedores em iniciativas inovadoras. Essa combinação de experiências locais e globais pode restaurar a atratividade da carreira, ao demonstrar que a engenharia oferece não apenas estabilidade, mas também oportunidades concretas de crescimento internacional e de impacto social e econômico.

Outra frente promissora é a internacionalização das próprias escolas brasileiras. Programas de bolsas, cursos ministrados em inglês e acordos bilaterais podem transformar o país em um polo regional de formação, atraindo estudantes de nações onde a carência de engenheiros é ainda mais aguda. Essa estratégia ajudaria a preencher vagas ociosas, diversificar o ambiente acadêmico e fomentar o intercâmbio de conhecimento — um fluxo bidirecional que beneficia tanto o Brasil quanto seus parceiros. O contato com diferentes culturas técnicas amplia horizontes, introduz novas práticas e incentiva padrões de qualidade mais elevados.

Muitos ainda enxergam a “fuga de cérebros” como uma perda irremediável. Essa visão, porém, precisa ser relativizada. A mobilidade internacional é, cada vez mais, um ciclo virtuoso: profissionais formados no Brasil que atuam no exterior acumulam experiências e retornam, ou colaboram remotamente, fortalecendo o ecossistema local. Manter instituições de excelência, com programas de intercâmbio robustos, é condição essencial para que esse ciclo funcione. Perder tais instituições por falta de visão global seria um erro estratégico, especialmente em um contexto de rápida transformação tecnológica e competição por talentos.

Em suma, a globalização da engenharia deve ser entendida não como ameaça, mas como oportunidade. Ao promover o intercâmbio de pessoas, ideias e tecnologias, e ao adotar uma postura ativa na formação de redes internacionais, o Brasil pode revitalizar o interesse pela profissão e consolidar sua posição no cenário global. É hora de enxergar a engenharia não como uma carreira confinada, mas como uma ponte para o futuro — capaz de unir desenvolvimento humano, inovação sustentável e competitividade econômica. Essa é a visão que pode assegurar à engenharia brasileira o papel de protagonista no mundo interconectado que se desenha.