As competições estudantis de engenharia que formam os profissionais do futuro
No artigo do prof. Dr. Marcelo Alves, coordenador do CEA, na Gazeta Mercantil Digital (03/11), ele traz que a engenharia brasileira do futuro não será construída apenas em salas de aula. Ela já está sendo testada nas pistas e nas oficinas universitárias espalhadas por todo o País. A decisão que as empresas tomarem hoje definirá se o Brasil estará entre os líderes — ou apenas entre os espectadores — da próxima revolução tecnológica.
Contratar um engenheiro que já geriu um projeto de R$ 60 mil, liderou 25 colegas e entregou um veículo funcional em seis meses não exige buscar um profissional experiente. Esse é o perfil médio de quem participa de competições como a Baja SAE Brasil e a Fórmula SAE Brasil. Estudos da SAE International com 150 empresas globais (2023) indicam que esses egressos reduzem, em média, de 12 a 18 meses o tempo de adaptação, em comparação com formados sem experiência prática. Esses dados confirmam o que tenho observado como orientador dessas equipes há mais de vinte anos.
Nessas competições, os estudantes projetam, constroem e pilotam veículos reais: um carro off-road capaz de atravessar lama e obstáculos, no Baja; ou um monoposto de alta performance com aerodinâmica avançada, na Fórmula SAE. Também existem competições de aeronaves, robótica, drones e outras áreas. A experiência vai muito além da técnica — simula o ciclo completo de desenvolvimento industrial, com prazos, custos e riscos reais.
Por que essa formação é superior à tradicional?
1. Domínio técnico validado em pista
Um erro de cálculo na suspensão pode derrubar o carro na primeira curva. Os alunos aplicam mecânica dos sólidos, dinâmica veicular e eletrônica embarcada em protótipos testados sob condições extremas — não apenas em simulações.
2. Liderança comprovada
Equipes de 20 a 30 alunos de diferentes cursos exigem coordenação, negociação e comunicação técnica. Segundo a SAE International (2023), 92% dos ex-participantes se consideram mais preparados para liderar do que colegas sem essa vivência, contra 68% dos formados apenas com graduação.
3. Gestão de projeto com restrição real
Os veículos passam por inspeção técnica feita por engenheiros da indústria. Orçamentos de R$ 40 mil a R$ 80 mil forçam decisões estratégicas — como priorizar freios ou peso do chassi — idênticas às tomadas em empresas.
4. Resiliência sob pressão
Um motor que falha na classificatória exige diagnóstico e reparo em poucas horas. Segundo a ABRH (2024), 87% dos recrutadores valorizam essa capacidade como diferencial decisivo.
A escala atual — e a lacuna em relação ao exterior
Em 2025:
- Fórmula SAE Brasil: 64 equipes, 1.200 estudantes.
 - Baja SAE Nacional: 56 equipes, 1.500 estudantes
 - Etapas regionais (ex.: Baja Nordeste): cerca de 300 participantes por evento.
 
Total: aproximadamente 3.200 alunos por ano — apenas 0,8% dos 400 mil matriculados em engenharia no Brasil. (Censo MEC, 2023).
Nos Estados Unidos, o Formula SAE Michigan reúne 120 equipes e mais de 3.000 alunos por evento, com orçamentos médios de R$ 300 mil por equipe (relatórios SAE, 2024). Isso permite testar direção autônoma, baterias de alta densidade e materiais compostos — tecnologias já em produção. Na Europa, a Formula Student Germany atrai mais de 100 equipes internacionais, com suporte que inclui softwares CAD profissionais e testes em túneis de vento.
No Brasil, os times operam com apenas 20% a 25% do orçamento médio internacional. Isso limita o uso de telemetria em tempo real, sensores avançados e estruturas em fibra de carbono — embora soluções criativas, como impressão 3D caseira e reaproveitamento de materiais, compensem parte dessa diferença.
O retorno calculado do apoio
Apoiar uma equipe custa entre R$ 30 mil e R$ 80 mil por ano, valor que pode ser enquadrado em programas de incentivo à inovação ou deduzido parcialmente via leis de fomento à ciência e tecnologia.
O retorno para quem apoia uma equipe pode vir de diversas formas, a começar pelo cesso direto a 20 a 30 currículos altamente qualificados por equipe. Há também exposição de marcas a um público seleto de futuros profissionais de tecnologia.
Considerando que o salário médio de um jovem engenheiro varia entre R$ 8 mil e R$ 12 mil por mês, reduzir em 12 meses o tempo de treinamento interno pode representar uma economia de R$ 96 mil a R$ 144 mil — valor superior ao investimento anual em uma equipe. Ex-participantes dessas competições chegam ao mercado com experiência prática que levaria de três a cinco anos para ser adquirida em empresas tradicionais.
O desafio e a oportunidade
Até 2030, o Brasil precisará de cerca de 500 mil novos engenheiros especializados em veículos elétricos, autônomos e mobilidade sustentável (FIESP, 2024). Países como Alemanha e Estados Unidos formam três vezes mais engenheiros com experiência prática por habitante (OCDE, 2023). Se o país não ampliar essas iniciativas, continuará formando bons técnicos — mas poucos líderes de inovação global.
Três passos práticos para começar
- Apoiar uma equipe local com patrocínios na casa de R$ 30 mil — não apenas financeiros, mas também em serviços ou apoio logístico.
 - Doar componentes ou oferecer mentoria técnica.
 - Criar vagas prioritárias para ex-participantes, com processos seletivos simplificados.
 
A engenharia brasileira do futuro não será construída apenas em salas de aula. Ela já está sendo testada nas pistas e nas oficinas universitárias espalhadas por todo o país. A decisão que as empresas tomarem hoje definirá se o Brasil estará entre os líderes — ou apenas entre os espectadores — da próxima revolução tecnológica.
Prof. Dr. Marcelo A L Alves – Docente no Departamento de Engenharia Mecânica – Escola Politécnica da USP – Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva

		