O Prof. Dr. Marcelo Massarani, docente do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli-USP e integrante do Centro de Engenharia Automotiva, é colunista do jornal Gazeta Mercantil Digital. Em seu artigo publicado em 7/09/2025, ele discute a queda do interesse dos jovens brasileiros pela Engenharia e aponta a criatividade e a arte como partes da solução.
Gazeta Mercantil Digital – Colunistas – 02/09/2025 (link para o artigo)
Muitos jovens desistem da engenharia por insegurança com matemática. Mas será que a solução não está em mostrar que a profissão é também criatividade e arte?
A engenharia é essencial para o desenvolvimento de qualquer país, mas no Brasil o interesse dos jovens por essa carreira está em queda. Um estudo realizado pelo CIEE em parceria com o Instituto Locomotiva mostra que apenas 12% dos estudantes do ensino médio pretendem cursar engenharia. Entre os que rejeitam essa opção, 22% citam a dificuldade com matemática como principal fator, e 53% afirmam não achar a profissão atrativa. Esses números são alarmantes, revelam que a matemática, ensinada de forma desconectada da prática e sem vínculo com a criatividade, se transformou em barreira para milhares de jovens optarem por um curso de Engenharia.
Como professor universitário, vejo esse problema de perto. Muitos estudantes chegam inseguros às primeiras aulas das disciplinas de exatas. Não é a falta de talento que os limita, mas a forma como foram conduzidos na escola. Sem projetos que conectassem teoria e realidade, a matemática foi apresentada como uma disciplina fria e eventualmente punitiva. Esse bloqueio emocional acaba contaminando a percepção da engenharia como um todo.
O Brasil não pode se dar ao luxo de perder talentos dessa forma. A redução do número de engenheiros formados compromete diretamente a competitividade industrial e nos torna mais dependentes de soluções tecnológicas estrangeiras. A falta de engenheiros não é apenas um obstáculo individual para quem gostaria de ingressar na profissão, mas uma ameaça estratégica para o futuro do país. A questão que se coloca é como reverter esse cenário.
Uma resposta poderosa vem da educação. Nos Estados Unidos, ainda nos anos 1990, surgiu a sigla STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), reunindo ciência, tecnologia, engenharia e matemática como pilares da formação de profissionais preparados para a “economia do conhecimento”, marcada pela rápida transformação tecnológica.
Poucos anos depois ficou claro que era preciso incluir um quinto elemento, surgiu assim o STEAM, incorporando o A de “Arts”. Esse A não se limita às artes plásticas ou musicais, ele representa criatividade, design, narrativa e pensamento crítico.
Esse modelo tem mostrado resultados concretos. Nos Estados Unidos, distritos escolares têm adotado programas de formação de professores que unem criatividade e design ao ensino técnico. Na América Latina, o Institute of the Americas desenvolve o STEAM Program, que aproxima comunidades hispânica
da ciência por meio de oficinas culturais que misturam narrativa e tecnologia.
O Brasil também tem experiências inspiradoras. O STEAM TechCamp Brasil, criado em parceria com a USP e a Embaixada dos Estados Unidos, tem formado professores e gestores para aplicar metodologias criativas em sala de aula.
Nessas atividades, os alunos são convidados a narrar ideias, desenhar protótipos e criar apresentações artísticas antes de enfrentar os cálculos. Outro exemplo é o STEAM Spaces São Paulo, desenvolvido pela Siemens Stiftung em colaboração também com a USP, que estimula estudantes a desenvolver soluções para problemas reais, sempre utilizando design, maquetes e expressão visual como parte essencial do processo investigativo.
Como exemplo, imagine estudantes desafiados a criar um bairro sustentável em maquete interativa. Eles começam com desenhos e narrativas sobre como imaginam a vida nesse bairro, decidem materiais recicláveis para a construção, projetam áreas verdes e circulação de pessoas. Só depois entram os cálculos de eficiência energética, iluminação e drenagem. A criatividade guia o aprendizado e a matemática deixa de ser vilã para se tornar ferramenta indispensável.
Essa lógica é muito próxima da realidade profissional. Na indústria automotiva, onde atuei mais intensamente, nunca se inicia um projeto pelos cálculos. Primeiro vem a ideia do design, da experiência de mobilidade que se deseja oferecer, e os números surgem em seguida para viabilizar o conceito. É exatamente esse caminho que a metodologia STEAM oferece aos jovens ainda na escola.
Engenharia sempre foi arte. Desde as pirâmides do Egito até os vitrais das catedrais góticas, da genialidade de Leonardo da Vinci até a chegada do homem à Lua, cada marco histórico mostra que cálculos só se sustentam quando acompanhados de imaginação. Lembro-me de quando vi pela primeira vez a construção de uma ponte ainda adolescente. O equilíbrio entre a precisão estrutural e a beleza do traçado marcou minha percepção de que engenharia é também expressão humana.
É isso que precisamos transmitir aos jovens brasileiros. A matemática continuará presente, mas pode ser ensinada como instrumento criativo, não como obstáculo. Com metodologias que unam ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática, podemos transformar estudantes inseguros em protagonistas de uma nova era de inovação.
O desafio é grande, mas a escolha é simples. Podemos aceitar a estagnação e a dependência, ou podemos mudar a narrativa educacional e abrir as portas para uma geração capaz de sonhar e realizar.
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