A Inteligência Artificial no ensino de Engenharia: proibir é o caminho mais curto para o atraso
Artigo publicado na Gazeta Mercantil Digital (02/12/2025), colunista prof. Dr. Marcelo Alves, coordenador do CEA.
Nos últimos três anos, a inteligência artificial deixou de ser promessa de ficção científica e tornou-se ferramenta de uso diário em escritórios de projeto, fábricas e consultorias. ChatGPT, Copilot, GROK, MidJourney, Gemini e dezenas de modelos especializados já fazem parte do arsenal de engenheiros que querem entregar mais em menos tempo. Como era de se esperar, essa onda chegou às salas de aula das faculdades de Engenharia. E chegou para ficar.
O impacto imediato foi o surgimento da dúvida ancestral, agora renovada: “Esse trabalho é mesmo do aluno ou foi feito pela IA?” Professores se veem diante de relatórios impecáveis, cálculos aparentemente perfeitos e textos bem redigidos que, há até pouco tempo, seriam sinal de excelência e hoje levantam suspeita. A reação instintiva de muitos departamentos foi a mais previsível: proibir terminantemente o uso de ferramentas de IA em provas, trabalhos e projetos.
É a decisão errada.
Proibir é fácil de decretar e impossível de fiscalizar. Qualquer aluno com um celular e 4G contorna a regra em segundos. Pior: ao proibir, a universidade transmite a mensagem de que a tecnologia com o potencial para ser a mais disruptiva do século deve ser temida e evitada – exatamente o oposto do que se espera de quem forma os profissionais que vão projetar, construir e operar o mundo de amanhã.
Engenheiros sempre conviveram com “auxiliares” poderosos: réguas de cálculo, tabelas, gráficos, softwares CAD/CAE, dentre muitas ferramentas computacionais de simulação e solução de modelos matemáticos. Cada nova ferramenta foi incorporada porque aumentava a produtividade sem abrir mão do domínio conceitual. A IA é apenas o auxiliar mais potente que já apareceu. E, como todo auxiliar poderoso, exige ainda mais do usuário.
Quem nunca dominou termodinâmica não sabe avaliar se a resposta do ChatGPT sobre um ciclo Rankine com superaquecimento está correta ou é um disparate bem escrito. Quem não entende o comportamento de estruturas em concreto não percebe que a sugestão de dimensionamento dada pelo Copilot viola a NBR 6118 em três pontos diferentes. Só o profissional (ou o estudante) extremamente bem formado é capaz de usar a IA como alavanca em vez de muleta.
Portanto, o desafio não é expulsar a IA da sala de aula. O desafio é transformar a avaliação para que ela continue medindo o que realmente importa: o domínio conceitual, a capacidade de julgamento crítico e a habilidade de integrar conhecimentos.
Isso passa, por exemplo, por avaliações orais mais frequentes, apresentações técnicas obrigatórias com perguntas em tempo real, projetos em etapas com entregas parciais e defesa individual, estudos de caso que exigem adaptação criativa e, principalmente, questões que forcem o aluno a explicar o raciocínio por trás da solução – algo que nenhuma IA faz bem até hoje.
Aos professores cabe ainda uma tarefa pedagógica nova: ensinar a usar a IA de forma ética e eficiente. Mostrar como escrever prompts precisos, como validar respostas, como citar o uso de ferramentas generativas, como combinar a velocidade da máquina com a profundidade do pensamento humano. Em resumo, formar o engenheiro que será parceiro da IA, não ser substituído por ela.
As empresas já entenderam isso. Contratam jovens que saibam extrair o máximo das ferramentas disponíveis – e punem rapidamente quem entrega relatórios “perfeitos” sem entender o que está por trás deles. A universidade que insistir na proibição estará formando profissionais para o mundo de 2019, enquanto o mercado já vive o futuro.
A revolução da IA não pede licença para entrar nas escolas de engenharia. Ela já está aqui. Cabe às instituições de ensino superior decidir se vão liderar essa transformação ou se vão ficar discutindo como colocar o gênio de volta na lâmpada.
A escolha mais inteligente – e a única coerente com a missão de uma escola de Engenharia – é abrir a porta, ensinar o aluno a comandar o gênio e avaliar se ele realmente sabe fazer a mágica acontecer.
Prof. Dr. Marcelo A L Alves – Docente no Departamento de Engenharia Mecânica – Escola Politécnica da USP – Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva

