Questionar conclusões prontas pode ser o que separa a inovação da estagnação. No artigo “O perigo de perguntar ‘por quê?’”, veiculado na Gazeta Mercantil Digital (07/10/2025), o Prof. Dr. Marcelo Massarani, membro do CEA, mostra que questionar conclusões prontas é essencial para decisões mais conscientes — tanto na engenharia quanto na vida profissional.

Gazeta Mercantil Digital 07/10/2025

Aprender a exigir fatos em vez de aceitar conclusões prontas é um antídoto contra a avalanche de verdades instantâneas que moldam decisões no trabalho e na vida

Outro dia, conversando com um colega, ouvi aquela frase clássica dita com a segurança de um vidente experiente: “Eu sei que vai dar errado”. Respirei fundo e, em vez de perguntar “por quê?”, soltei: “O que exatamente te faz pensar isso?”. A resposta foi um silêncio constrangedor que valeu mais do que mil palavras.

Esse pequeno truque de reformular a pergunta muda tudo. Quando perguntamos “por quê?”, damos espaço para respostas evasivas ou emocionais como “porque sim”, “porque eu disse” ou “porque já vi de tudo nessa vida”. Já quando dizemos “o que exatamente te faz pensar isso?”, a mente é obrigada a organizar fatos concretos ou a confessar que não tem nenhum.

Costumo ensinar essa técnica aos meus alunos de engenharia. Engenheiros não podem trabalhar com base em achismos, precisam de dados, evidências e verificações. Nossa bússola é simples: don’t trust, verify. Isso serve tanto para calcular a resistência de um material quanto para avaliar se uma previsão pessimista tem fundamento ou é apenas chute bem embalado.

O curioso é que esse hábito de questionar não é útil só na prancheta ou no laboratório. Ele se aplica também à vida cotidiana. Quantas vezes alguém já lhe disse “esse investimento é furada”, “essa viagem vai dar problema” ou até “esse time não tem chance”? Ao perguntar “o que exatamente te faz pensar isso?”, abrimos espaço para que apareçam os fatos ou para que se revele a ausência deles. No mínimo, ganhamos clareza e economizamos ansiedade.

No mundo profissional, esse cuidado é vital. Projetos inovadores morrem todos os dias não porque falharam de verdade, mas porque foram enterrados com frases vagas como “o mercado não aceita” ou “isso já foi tentado antes”. Perguntar pelos fatos é uma forma de proteger boas ideias de sentenças preguiçosas.

E há ainda outro efeito positivo. Ao exigir evidências, também treinamos nossa própria mente a pensar com mais rigor. Não basta pedir clareza ao outro, é preciso estar disposto a analisar com honestidade aquilo que ele traz. É um jogo de mão dupla: eu não aceito sua conclusão sem fatos, mas prometo olhar para os fatos com atenção.

Vivemos em uma época em que opiniões circulam mais rápido do que os fatos que poderiam sustentá-las. A facilidade de compartilhar “verdades instantâneas” cria a ilusão de que tudo já está explicado, quando na verdade muito do que se repete não passa de achismo. É justamente nesse ambiente de excesso de certezas superficiais que a pergunta certa se torna indispensável.

No fundo, trata-se de escolher entre duas posturas. Repetir conclusões pode dar menos trabalho, mas nos torna reféns do senso comum. Investigar causas exige mais esforço, mas é a única atitude que nos dá autonomia real sobre as decisões que tomamos.

Portanto, da próxima vez que alguém afirmar “vai dar errado”, não caia na armadilha do “por quê?”. Pergunte: “O que exatamente te faz pensar isso?”. Se houver fatos, você poderá analisá-los. Se não houver, o silêncio revelará muito. E cá entre nós, no mundo de hoje, o que menos falta são opiniões e o que precisamos mesmo é de fatos.

Marcelo Massarani é Professor Doutor da Escola Politécnica da USP, Diretor Acadêmico da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, membro do Conselho Diretor do Instituto da Qualidade Automotiva e Conselheiro empresarial