Crescimento do mercado de motocicletas no Brasil: oportunidades e desafios em um setor estratégico

Artigo publicado pela Gazeta Mercantil Digital – 22/09/2025 de autoria do prof. Dr. Marcelo Alves

O setor de motocicletas no Brasil registra crescimento expressivo, impulsionado por fatores econômicos e logísticos, sobretudo no interior do país, onde a precariedade do transporte público eleva a demanda por veículos de duas rodas. Segundo a Abraciclo e a ANFAVEA, a produção nacional, concentrada em 95% no Polo Industrial de Manaus, superou crises econômicas e a pandemia de COVID-19, alcançando 1,75 milhão de unidades em 2024 – alta de 11,1% ante 2023 e o maior volume desde 2011. Esse desempenho sinaliza recuperação do mercado interno e atrai atenção de investidores, mas também expõe desafios, como a elevada taxa de acidentes e a dependência de componentes importados.

A produção de motocicletas no Brasil enfrentou oscilações na última década. Em 2015, a recessão econômica reduziu a fabricação para 1,33 milhão de unidades (-12,5% em relação a 2014). O declínio continuou em 2016 (-4,1%) e 2017 (-1,4%), com estabilização em níveis baixos. A crise de 2018, agravada pela greve dos caminhoneiros e volatilidade cambial, levou a uma queda de 22,9% (968 mil unidades). A recuperação começou em 2019 (+13,2%), mas foi interrompida pela pandemia em 2020 (-19,1%, 887 mil unidades). A partir de 2021, o setor ganhou fôlego, com aumentos anuais até o pico de 2024. Para 2025, a Abraciclo projetava 1,88 milhão de unidades (+7,5%), impulsionadas por crédito acessível e demanda por modelos de até 250 cm³.

A concentração produtiva em Manaus, impõe limitações. Os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM), como a redução de até 88% no IPI e benefícios no Imposto de Importação, favorecem a importação de 60-70% dos componentes utilizados, em detrimento do desenvolvimento de fornecedores locais. Diferentemente do setor automotivo, que no Sudeste consolidou uma cadeia robusta de autopeças, o segmento de motocicletas enfrenta custos logísticos elevados e vulnerabilidade à oscilação cambial. A criação de um parque de fornecedores regionais seria essencial para reduzir custos e fortalecer a competitividade. As exportações, limitadas a 2% da produção e com queda de 5,9% em 2024, reforçam a dependência do mercado interno.

A distribuição geográfica das vendas revela o peso do interior, que responde por 65-75% do mercado, contra 25-35% das capitais. Dados de 2023 (janeiro a julho, 903 mil emplacamentos, +21,4% ante 2022) mostram o Sudeste com 38,4% das vendas, seguido por Nordeste (25%), Norte (13%), Centro-Oeste (12,5%) e Sul (11,1%). No Sudeste, capitais como São Paulo e Rio de Janeiro concentram apenas 15-20% do total regional. No estado de São Paulo (25% do total nacional), a capital representa 6%; em Manaus, 60% das vendas no estado do Amazonas. A propulsão elétrica ainda tem participação marginal, com predominância de combustíveis fósseis.

A força do mercado no interior está atrelada à insuficiência do transporte público. Nas capitais, os serviços de transporte coletivo, ainda que possam ser considerados como limitados quando comparados a outras áreas metropolitanas de tamanho semelhante no exterior (mesmo de países com nível de desenvolvimento semelhante ao do Brasil), atendem parte da demanda. Em cidades menores, mesmo com o crescimento gerado pelo agronegócio, a baixa renda de parte significativa da população, inviabiliza a compra de automóveis, tornando as motocicletas uma alternativa acessível para deslocamentos, entregas e atividades rurais. Esse cenário abre oportunidades para financiadoras e concessionárias, mas exige investimentos em infraestrutura viária para suportar o aumento da frota. 

Os dados de vendas e a distribuição destas no território brasileiro indicam que o transporte de duas rodas é a solução encontrada pelos consumidores para uma necessidade cada vez maior por mobilidade. A motocicleta, ainda que não seja adequada ao transporte familiar, representa uma alternativa ágil, com custo de aquisição e manutenção inferiores ao do automóvel, para deslocamentos em área urbana e entre cidades vizinhas. 

Outro lado do crescimento da frota de motocicletas é a preocupação com segurança. Dados do Denatran e do Ministério da Saúde indicam que motocicletas, embora representem 27% da frota nacional, respondem por 40% dos acidentes com vítimas. Em 2023, o SUS registrou cerca de 180 mil internações por acidentes motociclísticos, com letalidade de 12% – três vezes superior à dos automóveis (4%). A ausência de proteção estrutural aumenta o risco de lesões graves, como traumatismos cranianos, impactando custos com saúde pública e seguros. Amazonas e Pará, com alta de 30% nas vendas em 2023, também registraram mais acidentes. Fatores como habilitação inadequada e infraestrutura viária precária agravam o problema. Uma providência importante para reduzir este problema, ainda que possa trazer resultados apenas no longo prazo, é a introdução de uma cultura de segurança na condução. Não apenas os motociclistas, mas os condutores dos outros veículos, precisam ser melhor formados de modo a que desenvolvam uma prática de conduzir que privilegie a segurança, com a eliminação de comportamentos de risco ao conduzir. 

O crescimento do mercado de motocicletas reflete a necessidade de mobilidade em regiões carentes de infraestrutura. Para o setor, este crescimento representa uma oportunidade de expansão nos negócios, mas exige soluções para gargalos estruturais. A dependência de importações, a segurança viária e a infraestrutura demandam ações coordenadas, como incentivos à produção local de autopeças e parcerias público-privadas. As projeções para 2025 sugerem um mercado resiliente, desde que os desafios sejam enfrentados com inovação e planejamento estratégico.

Prof. Dr. Marcelo A L Alves – Docente no Departamento de Engenharia Mecânica – Escola Politécnica da USP – Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva