O Professor Dr. Marcelo Massarani, do Centro de Engenharia Automotiva da POLI-USP, publicou na Gazeta Mercantil Digital, 16/09/2025, uma análise sobre a crescente saída de milionários e jovens talentos do Brasil. O artigo alerta para os riscos de perder não apenas capital, mas também empreendedores que poderiam construir riqueza e inovação no País.
A íntegra do artigo está também na Gazeta Mercantil Digital
Estudos recentes mostram a fuga crescente de pessoas de alto patrimônio, mas o sinal mais preocupante é dado por jovens talentos que já projetam suas vidas fora do país.
Um estudo divulgado pela consultoria internacional Henley & Partners, referência em migração de riqueza, projeta que mais de mil milionários deixarão o Brasil em 2025. A estimativa indica a saída de cerca de 8,4 bilhões de dólares em ativos, colocando o país na sexta posição do ranking mundial de êxodo de pessoas de alto patrimônio.
O levantamento é corroborado por dados oficiais da Receita Federal, que registrou número recorde de declarações de saída definitiva de contribuintes de alta renda no primeiro semestre deste ano. Embora representem menos de 1% do total de milionários brasileiros, esses números revelam não apenas a fuga de recursos financeiros, mas também a perda de confiança no ambiente de negócios e na capacidade do país de reter quem gera riqueza.
Mais preocupante do que a saída de milionários já estabelecidos é a evasão dos chamados “futuros milionários”. São jovens empreendedores e profissionais qualificados que, ao avaliar suas perspectivas, preferem construir o futuro em outras nações. Esse fenômeno, ainda pouco mensurado, pode ser mais grave porque envolve a perda de talentos criativos, dispostos a assumir riscos e transformar ideias em prosperidade. Não se trata de herdeiros acomodados, mas de pessoas capazes de impulsionar setores emergentes e criar mercados.
Observei essa realidade numa disciplina que ministro no sétimo semestre do curso de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP. Nela, os alunos precisam estruturar um produto para o mercado, com plano de negócios e visão de produção. Neste ano, em um desses projetos, um grupo decidiu instalar sua futura fábrica no Paraguai, aproveitando a Lei Maquila, que oferece regime tributário competitivo para exportadores. A escolha não foi ao acaso, mas fruto de uma detalhada análise comparativa com as condições brasileiras, que não deixou a menor dúvida sobre qual opção viabilizaria o negócio.
Mesmo antes de formados, os jovens já percebem o Brasil como um ambiente hostil à iniciativa privada. A constatação de que empreender aqui significa enfrentar burocracia sufocante, insegurança jurídica e carga tributária excessiva não se restringe mais a empresários experientes, mas já está presente entre estudantes que se preparam para entrar no mercado.
Resolver esse quadro é uma tarefa de enorme complexidade. Exige superar um emaranhado tributário que onera desproporcionalmente quem empreende, combater a insegurança jurídica que desestimula investimentos de longo prazo, enfrentar a instabilidade política que inibe previsibilidade e melhorar serviços públicos básicos, como segurança, saúde e educação. Também é indispensável construir um ecossistema de inovação mais integrado, sustentado por políticas estáveis e de longo prazo, algo raro em um país onde mudanças de governo frequentemente resultam na descontinuidade de programas e prioridades.
O maior desafio é que essas dificuldades estão enraizadas em estruturas que resistem a transformações. A simplificação do sistema tributário enfrenta barreiras políticas e corporativas, a modernização da burocracia esbarra em interesses cristalizados, e a melhoria dos serviços públicos exige investimentos consistentes e contínuos, incompatíveis com a lógica imediatista que muitas vezes orienta a política nacional. Sem enfrentar essas questões de forma estrutural, a tendência é de agravamento da evasão de capital humano e financeiro.
O Brasil precisa compreender que a fuga de milionários não é apenas uma questão de estatística econômica, mas um sintoma de algo mais profundo, que é a perda da capacidade de reter talentos empreendedores. O risco não se limita à saída de quem já acumulou riqueza. O verdadeiro problema é o desencanto daqueles que poderiam construí-la aqui e que já projetam sua vida em outros países. Ignorar essa realidade significa comprometer o futuro do país, não apenas em termos de arrecadação ou de reservas de capital, mas em sua própria capacidade de inovar, competir e prosperar.