Debate entre executivos da indústria automotiva sobre a aplicação de ensaios e simulações no desenvolvimento de produtos.

Resumo, conclusões e fotos do evento realizado na Escola Politécnica.

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Data: 2 de agosto de 2006
Evento: Seminário Ensaios x Simulações
Realização: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

Participantes do Debate: Flávio Andreas Friesen (Volkswagen); Roberto P. Ramos (General Motors); John Sidelko (Ford)
Mediador: Luc de Ferran

A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI/USP) promoveu, em agosto, o Seminário Ensaios x Simulações, que reuniu 253 representantes da indústria automotiva, no Auditório Prof. Francisco Romeu Landi, no prédio da Administração da Escola. Após a apresentação de cases sobre a aplicação das duas ferramentas (**), o ponto alto do evento foi a realização de um debate entre os executivos Flávio Andreas Friesen, gerente de Segurança Veicular e Predições Veiculares da Volkswagen do Brasil; Roberto Ramos, gerente geral da área de Vehicle Simulation Analysis da General Motors do Brasil; e John Sidelko, chefe de Engenharia da Ford Brasil. O mediador foi o engenheiro Luc de Ferran, reconhecido por comandar, durante o período de 38 anos em que trabalhou na Ford, projetos de Produto e Processos como o EcoSport, o Novo Fiesta, o Escort e os caminhões da Série F e da Linha Cargo, além da revitalização da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP), e a construção da nova fábrica em Camaçari (BA).

Trata-se do primeiro evento organizado no Brasil para discutir a utilização eficaz da simulação e da construção de protótipos físicos. “Além de ser um dos poucos eventos que conseguiram reunir, no mesmo fórum, executivos de grandes montadoras”, disse o prof. Dr. Ronaldo de Breyne Salvagni, chefe do Departamento de Engenharia Mecânica da POLI/USP, na abertura do Seminário. Segundo ele, a iniciativa da Escola acontece em um momento especial para o Brasil. “Precisamos consolidar a posição atual da área de Desenvolvimento de Produto da engenharia brasileira para garantirmos maior competitividade aos nossos produtos no mercado globalizado. Nesse sentido, é imprescindível um número maior de engenheiros capacitados, inclusive para facilitar a tomada de decisão sobre a tecnologia adequada para testar as diferentes fases do projeto, como também para compreender que o desenvolvimento de um produto é beneficiado quando as equipes de simulação e de ensaios trabalham integradas”, complementou.

Engenheiros especialistas

A formação do engenheiro aparece entre as principais condições, apontadas pelos debatedores, para manter a indústria automotiva brasileira competitiva. As três montadoras relataram dificuldades para contratar profissionais especialistas. “Possuímos 28 engenheiros dedicados ao sistema CAE (Computer Aided Engineering) e não podemos ampliar a equipe de uma hora para a outra, porque é difícil encontrar profissionais prontos; temos de treiná-los dentro da GM. A indústria deve fortalecer a parceria com as universidades para indicar o perfil de engenheiro de que necessita”, afirmou Roberto Ramos, com o aval do colega John Sidelko, que revelou enfrentar situação semelhante na Ford, que possui atualmente dezenas de engenheiros participando de cursos de pós-graduação. O grupo concluiu que problemas reais da indústria devem ser analisados em salas de aula, de forma que o ensino seja fundamentado na busca de soluções para as necessidades do mercado contemporâneo. Roberto Ramos citou, como exemplo, o trabalho conjunto da GM e da Poli no Mestrado de Engenharia Automotiva, que permite aliar a necessidade da indústria com a especialização de engenheiros na área automotiva.

O mediador Luc de Ferran lembrou que a indústria mundial de veículos novos está crescendo, enfatizando a entrada de competidores como China, Índia, Coréia, Rússia e Irã, que estão investindo pesado na especialização da engenharia local. Na opinião dele, o volume passará dos atuais 60 milhões para 200 milhões de unidades, nas próximas décadas. Por outro lado, “a indústria está doente, quando se trata de lucratividade; as empresas registram margens muito baixas”. Para reagir, recomenda-se “investir em qualidade, endomarketing e redução de custos, o que significa manter pessoas capacitadas e motivadas, especialmente na criação de produtos e de processos”. No entanto, Luc de Ferran alertou que a indústria automotiva não necessita de operadores de softwares para fazer simulações e, sim, de engenheiros que conheçam as equações matemáticas que descrevem os fenômenos físicos envolvidos. “O sistema educacional é muito fraco no Brasil. A indústria consegue rapidamente ensinar o engenheiro a operar um novo software; o problema está naquele que chega ao mercado sem o conhecimento básico”. A fase principal do desenvolvimento de um produto exige que o profissional transforme os requisitos subjetivos, de acordo com os desejos do cliente (carro bonito e econômico, por exemplo), em métricas de engenharia, garantindo que o veículo seja manufaturável. O valor que a montadora dá para cada métrica reflete o DNA da marca. É importante que o grupo de engenheiros de simulação sejam vistos como especialistas em desenvolvimento de produtos, e não apenas como experts em computação.

Simulação agiliza o processo

Os três debatedores foram unânimes ao afirmar que a simulação possibilita à indústria atender a exigência de reduzir, cada vez mais, o tempo de desenvolvimento de novos veículos. A ferramenta virtual também representa economia de gastos, já que a construção de um protótipo de veículo abrange cerca de US$ 1 milhão de investimentos. O ideal é manter os testes físicos para fazer a verificação na fase final do projeto. Por causa disso, tornou-se tão importante que as duas equipes trabalhem em sintonia, para garantir a entrega de um veículo robusto que satisfaça o consumidor. “Hoje, temos o prazo de 24 a 36 meses para desenvolver o produto, enquanto no passado eram cinco anos”, disse Flávio Friesen, ressaltando que o mercado atual exige veículos melhores, com menos gastos. Enfim, prazos curtos, altos requisitos de desempenho e custos otimizados, além do progresso dos softwares e hardwares, têm favorecido o crescimento da simulação.

O gerente da Volkswagen acredita que, no futuro, a simulação será a ferramenta mais utilizada, e os testes ficarão, de fato, concentrados na fase final do projeto. “O volume de testes, no entanto, deve manter-se constante, ou seja, não diminuirá, mesmo com o crescimento da simulação, porque os produtos serão cada vez mais completos e atenderão a requisitos mais exigentes. No caso do Fox, a equipe brasileira desenvolveu o produto, atendendo aos requisitos do mercado local, e também da Europa”, justificou, exemplificando a realização de testes adicionais para a montadora verificar o item Proteção de Pedestres, uma exigência legal para a exportação ao mercado europeu. “A simulação permite analisar os fenômenos de perto e apresenta resultados confiáveis, nos quais é possível embasar decisões importantes”, concluiu. Ele acrescentou: “Nem sempre os protótipos físicos refletem o que sairá na linha de produção”.

Roberto Ramos disse que a simulação tornou-se fundamental para a GM, lembrando, no entanto, que a ferramenta ainda apresenta áreas que precisam de mais desenvolvimento (por exemplo, o ruído de vento que poderá ser percebido pelo usuário do veículo ou o cálculo de vida e fadiga de peças plásticas, devido à grande variedade de materiais e à falta de curvas de fadiga). A empresa cria de 350 a 400 protótipos virtuais por ano em uma fábrica que imita a real; já no Campo de Provas da Cruz Alta, no interior de São Paulo, as equipes de testes percorrem, anualmente, mais de 6 milhões de quilômetros. “Dependemos cada vez menos de protótipos físicos e diminuímos o tempo de desenvolvimento graças à simulação. Conforme a montadora, há espaço para reduzir ainda mais o número de testes”, disse. Na Ford, a situação pode ser avaliada com base no movimento de veículos em seu Campo de Provas, em Tatuí (SP). Há cerca de 10 anos, a empresa cogitou a possibilidade de ampliar a área da pista para evitar congestionamentos e, hoje, o movimento diminuiu, embora o número de projetos tenha aumentado. O que significa dizer que a montadora está realmente utilizando mais os testes virtuais.

O crescimento da simulação em toda a indústria deve-se também, na opinião de Luc de Ferran, ao fato de que as próprias ferramentas estão evoluindo rapidamente e assim deve continuar, garantindo ao Brasil a possibilidade de competir lá fora. Ele citou o caso da GM, que construiu a fábrica de Gravataí (RS), há seis anos, na qual é produzido o Celta, aplicando recursos da simulação. “Como vocês explicam o fenômeno Celta, um campeão em custos reduzidos e em produtividade?”, questionou, recebendo de Roberto Ramos a seguinte resposta, que valoriza ainda mais a importância da simulação: “Desde o início do projeto, a meta era obter um veículo de baixo custo e a planta permite isso, com o condomínio de fornecedores de autopeças, instalados no mesmo local; eles fazem as entregas dentro da linha de produção”.

Integração de equipes

Um ponto importante para estimular o uso da simulação foi levantado quando o mediador abordou o fato de a ferramenta ainda estar centralizada e ser vista como uma função separada dentro das montadoras. “Se é uma ferramenta tão poderosa, a simulação não deveria estar disponível e sendo utilizada por cada área funcional? Afinal, quando vai acontecer a ´banalização´ da simulação?”, questionou Luc de Ferran, alertando que, para isso, o Brasil terá de capacitar um número ainda maior de engenheiros. A resposta de Flávio Friesen, da Volkswagen, resume o cenário atual: “Nosso grupo de Predições Veiculares ainda é centralizado”, disse, relacionando a falta de massa crítica de profissionais especializados, disponíveis no mercado brasileiro. “Acredito que com o aumento do volume de trabalhos na área de predições, vamos ter a dedicação de cada engenheiro para um assunto específico. Isso provocará uma modificação em nossa estrutura e os engenheiros de simulação vão trabalhar bem mais perto dos grupos de projetos. Na Volks, já está acontecendo essa transição: eles deixam de ser somente um fornecedor interno de serviço para acompanhar o desenvolvimento do projeto”. De acordo com ele, essa evolução é muito importante, porque possibilita aumentar a aceitação da ferramenta virtual por toda a equipe.

Ao comentar o benefício da integração entre as equipes para o desenvolvimento do produto, Luc de Ferran citou o exemplo de John Sidelko, que lidera um grupo de engenheiros, na fábrica de Camaçari (BA), enquanto a equipe experimental está instalada em Tatuí, no interior de São Paulo. O chefe de Engenharia garantiu que a distância geográfica não tem prejudicado a qualidade dos projetos da montadora (a comprovação está no sucesso dos últimos lançamentos da marca, como o EcoSport e o Novo Fiesta, criados pelos engenheiros brasileiros). Pela Volks, Flávio Friesen garantiu que a integração entre a equipe nacional e da Alemanha refletiu nos resultados de venda do Fox. “Temos vários instrumentos e sistemas para fazer o link com os engenheiros europeus, que estão mais perto do consumidor que recebe o veículo de exportação. A definição dos requisitos é feita em conjunto, mas a responsabilidade do desenvolvimento do produto é 100% da equipe de Engenharia do Brasil”, explicou.

A integração também ocorre com os parceiros externos. “A Volks tem cooperado para que os fornecedores utilizem as ferramentas de ensaio e de simulação. Essas áreas ampliam, inclusive, o mercado de trabalho para os engenheiros nos fornecedores”, disse o gerente da Companhia. A platéia aproveitou para perguntar aos debatedores se as montadoras não teriam exagerado ao delegarem aos sistemistas o desenvolvimento de componentes do produto. John Sidelko foi taxativo ao afirmar que a Ford tem o controle sobre a essência do produto, o DNA da marca. A mesma posição manteve Roberto Ramos, garantindo que a GM valoriza, no veículo, a identificação do usuário com a marca e tem o cuidado de verificar como foram desenvolvidos os componentes nos fornecedores. Para Flávio Friesen, “a integração dos componentes, ou seja, o know-how do veículo completo, sempre ficará na mão das montadoras, garantindo a presença dos atributos que o consumidor espera da marca”. O mediador concluiu, afirmando ser extremamente importante que os fornecedores tenham o pensamento alinhado com os objetivos das montadoras, e caminhem, ainda mais, para a aplicação de processos semelhantes na produção de peças, uma prática que estimula a redução de custos.

CONCLUSÕES EM RESUMO

Com base nas colocações dos debatedores, que representaram a indústria automotiva no Seminário Ensaios x Simulações, temos as seguintes conclusões:

Situação atual:

  • A indústria mundial de veículos está em crescimento e os novos concorrentes do Brasil – países emergentes e de características semelhantes – investem na especialização da engenharia local;
  • O mercado impõe que novos veículos sejam desenvolvidos em prazos menores e com custos otimizados, além de garantir a satisfação do consumidor (os requisitos de desempenho estão mais exigentes);
  • Demanda urgente: aumentar a lucratividade das montadoras;
  • Atualmente, o mercado necessita de um número maior de engenheiros especialistas, mas tem dificuldade para encontrá-los;
  • A indústria utiliza cada vez mais a simulação, em substituição aos testes físicos, e comprova que a ferramenta reduz o tempo de desenvolvimento de produto e representa economia de gastos;
  • O progresso dos softwares e hardwares têm favorecido o crescimento da simulação.

Desafios futuros:

  • O Brasil precisa formar, rapidamente, um número maior de engenheiros com conhecimento básico e capacitados para trabalharem no desenvolvimento de produtos e na criação de novos processos. A solução apresentada é o fortalecimento da parceria entre as universidades e o mercado automotivo, para garantir a formação de engenheiros com o perfil adequado. Sugere-se que a indústria ofereça casos reais que possam ser estudados em sala de aula. Arelação universidade-empresa poderá, ainda, agilizar o processo de maturação dos engenheiros à condição de experts, conforme o mercado exige;
  • A simulação deve ser, no futuro, a ferramenta mais utilizada, de forma que os testes fiquem concentrados na fase final do projeto, para verificação dos resultados virtuais. No entanto, acredita-se que o volume de testes não diminuirá, porque os produtos serão cada vez mais completos e atenderão requisitos mais exigentes;
  • As empresas devem promover a integração entre as equipes de testes físicos e de simulação, além de estimular que a ferramenta virtual seja descentralizada, ou seja, utilizada pelas várias áreas ligadas ao desenvolvimento de produto;
  • É importante mudar a imagem de “engenheiros de simulação” para “engenheiros especialistas em desenvolvimento de produto”, com o objetivo de  aumentar, internamente, a credibilidade da ferramenta virtual;
  • As montadoras devem continuar incentivando que os fornecedores utilizem as ferramentas de ensaio e de simulação no desenvolvimento de autopeças.

** O Seminário Ensaios x Simulações também apresentou os seguintes cases da indústria: Uso de Simulações Numéricas no Desenvolvimento de Produto na Indústria Automotiva, por Marcelo Magalhães, da Ford Brasil; Desenvolvimento de Nova Suspensão de Picape Utilizando uma Nova Métrica para o Ride e Protótipos Virtuais, apresentado pelo prof. Dr. Álvaro da Costa Neto, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP; e Desenvolvimento de um Trecho Fora-de-Estrada para a Realização de Testes de Durabilidade de Veículos Comerciais, por Marcelo Ururahy, da DaimlerChrysler.


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